'Contrato de propina', celular em forro e taxa de 6%: entenda o suposto esquema que desviava emendas de hospital no RS
13/02/2025
(Foto: Reprodução) PF cumpre mandados nesta quinta; assessor do deputado Afonso Motta (PDT-RS) está entre alvos. Empresa era citada como responsável por 'captar dinheiro' e recebia parte da verba como 'contrapartida'. Operaçao da PF mira propina de 6% em emendas para hospital no RS
A Polícia Federal deflagrou nesta quinta-feira (13) uma operação sobre desvio de dinheiro público federal de emendas parlamentares. Os mandados foram autorizados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino.
Durante a investigação, a PF identificou até um "contrato de propina" formalizando o suposto esquema de corrupção (veja detalhes abaixo).
A investigação envolve emendas destinadas pelo deputado Afonso Motta (PDT-RS) ao Hospital Ana Nery, de Santa Cruz do Sul (RS).
Motta é citado no inquérito, mas não foi alvo da operação – a PF ainda investiga se ele tinha conhecimento do suposto esquema. O chefe de gabinete do deputado e outros suspeitos foram alvos de buscas.
Em nota, o deputado disse ter sido surpreendido pela operação e afirmou que buscaria mais informações antes de comentar o caso.
Entenda abaixo:
como funcionava o suposto esquema;
qual era o papel da empresa de captação;
o que dizia o "contrato da propina";
quem foi alvo de buscas;
o que dizem os citados;
o que a PF encontrou nas buscas desta quinta.
PF realiza operação contra desvio de emendas parlamentares
A
O suposto esquema
A decisão assinada por Flávio Dino afirma que a representação da PF descreve o esquema criminoso "ao longo de mais de 100 páginas", incluindo prints de conversas e o tal "contrato da propina".
"[...] aponta a autoridade policial a existência de uma organização criminosa que direcionava emendas parlamentares e se apropriava de parte desses recursos públicos", diz o despacho.
Segundo a investigação, o grupo agia para destinar emendas parlamentares ao Hospital Ana Nery, de Santa Cruz do Sul (RS) – mas, em troca, cobrava um percentual dos valores repassados à instituição.
Conversas sobre esse repasse, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), foram encontradas no celular do lobista Cliver Fiegenbaum.
A empresa dele, ACF Intermediações, foi contratada pelo hospital para viabilizar o envio dessas emendas. A comissão de 6%, segundo a PGR, constituiria uma vantagem indevida.
Segundo a PGR, há indícios na investigação de que:
as emendas foram efetivamente enviadas ao Hospital Ana Nery;
a unidade de saúde realizou pagamentos a uma empresa no nome de Cliver Fiegenbaum.
O g1 tenta contato com Fiegenbaum.
Dinheiro apreendido em operação contra desvio em emendas
PF/Divulgação
A empresa de captação
De acordo com as investigações, a CAF Representação e Intermediação de Negócios foi contratada pelo hospital Ana Nery para pleitear as emendas que seriam enviadas ao hospital.
O dono, Cliver Fiegenbaum, é descrito pela PGR como "lobista" que atuava em Brasília em favor do hospital.
O inquérito lista três notas fiscais emitidas pelo hospital em nome da CAF entre 2023 e 2024 – que, somadas, indicam pagamentos de R$ 509,4 mil à intermediadora.
O serviço é descrito nas três notas como "Referente captação de recursos através de indicações de emendas parlamentares".
Ao todo, o hospital recebeu R$ 1,07 milhão em três emendas do gabinete de Afonso Motta (PDT-RS) em 2023 e 2024.
Dois desses repasses, de R$ 200 mil cada, iam originalmente para outras entidades:
o Fundo Municipal de Saúde São Miguel das Missões/RS;
e a Fundação Universitária de Cardiologia, que gerencia o Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul.
As emendas foram alteradas, no entanto, e o dinheiro foi transferido para o hospital Ana Nery – gerando "comissões" para a CAF Representação e Intermediação de Negócios.
O 'contrato da propina'
O "contrato da propina" citado pela Polícia Federal é justamente o contrato de prestação de serviços entre o hospital e a CAF.
Pelo contrato, a empresa de "intermediação" convencia os parlamentares a enviarem emendas para o hospital. E, em troca, recebia uma comissão com base no valor da emenda destinada.
'Em contrapartida aos serviços prestados, o Contratado receberá 6% (seis por cento) sobre o valor por ele comprovadamente captado, que serão pagos em até 30 dias após o recebimento do valor pela Contratante, através de depósito bancário em conta jurídica informada pelo Contratado, mediante apresentação da correspondente nota fiscal", diz uma das cláusulas.
Veja o contrato:
Contrato de intermediação previa que empresa recebesse 6% do valor 'captado' em emendas
PF/Reprodução
Os alvos das buscas
Ao todo, Dino autorizou buscas em 13 endereços residenciais e comerciais, nos nomes de:
Cliver Andre Fiegenbaum, dono da CAF Intermediações;
Lino Furtado, chefe de gabinete do deputado Afonso Motta – endereços em Brasília e Rosário do Sul (RS);
Leandro Diedrich;
Celcio da Silveira Junior;
Gilberto Antônio Gobbi;
Agnaldo Machado Ferreira – endereços residenciais e comerciais;
Carlos Danilo Wagner – endereços residenciais e comerciais;
e no hospital Ana Nery, em Santa Cruz do Sul (RS).
"Autorizo de imediato a apreensão de aparelhos celulares e computadores que estejam na residência ou local de trabalho dos investigados (especificados na tabela acima) ou em sua posse, sendo permitido o acesso ao conteúdo dos aparelhos com a preservação da integridade de dados, cadeia de custódia digital e com a utilização de código hash", diz a decisão de Dino.
"Quanto ao Hospital Ana Nery, em se tratando de prestador de serviço essencial, devem ser apreendidos apenas os computadores estritamente necessários à elucidação do fluxo contábil e financeiro", segue.
Dino também determinou que Lino Furtado seja afastado do gabinete de Afonso Motta, e Cliver Fiegenbaum, do cargo que ocupa na Metroplan, vinculada à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano do Rio Grande do Sul.
O ministro também bloqueou R$ 509 mil em contas e bens dos investigados.
O que dizem os citados
Em nota, o deputado Afonso Motta diz que foi "surpreendido" pela operação e busca entender o inquérito.
"O deputado Afonso Motta sustenta que nem ele nem o gabinete foram alvos da operação da PF. O parlamentar afirma que foi surpreendido e que está buscando acesso aos autos, para entender o que é investigado e se posicionar", diz o comunicado.
O hospital Ana Nery reafirmou, também em nota, "seu compromisso com a transparência, a integridade e o pleno cumprimento das normas legais".
"Na manhã desta quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025, a instituição tomou conhecimento, com surpresa, da operação EmendaFest. Desde então, tem prestado total colaboração às autoridades, fornecendo prontamente todos os documentos solicitados e colocando-se à disposição para contribuir com o esclarecimento dos fatos", diz a unidade.
"O Hospital Ana Nery reitera seu compromisso com a ética e a legalidade e seguirá colaborando com as investigações para que sejam conduzidas com a máxima celeridade e transparência", prossegue.
O g1 tenta contato com os outros citados.
Dinheiro apreendido e celular em forro
Até as 9h, a Polícia Federal já tinha encontrado e apreendido R$ 160 mil em dinheiro vivo com alvos da operação, incluindo o assessor de Motta.
Um funcionário do hospital que receberia a emenda e um terceiro envolvido, ainda não identificado, também estariam com parte desses valores.
Em um dos endereços, a Polícia Federal também encontrou telefones celulares escondidos no forro de um dos cômodos.
Veja na imagem:
Policial federal encontra celular no teto durante buscas em operação sobre emendas da saúde
PF/Divulgação